1. Municípios,
terras e julgados.
Quando se fala de um município ou de um concelho
não se está a dizer a mesma coisa que se dirá ao falar de uma terra ou de um julgado: vocábulos que hoje, com frequência, se usam em sentido
equívoco, mas que inicialmente correspondiam a realidades distintas. Convém
entender o significado exacto destes termos, assim como o de outros que
aparecem com frequência quando se estudam os primeiros séculos da história de
Portugal.
As terras ou tenências equivaliam a circunscrições
territoriais, em que esteve dividido o território, nos tempos mais recuados,
para fins de organização militar: um tenens
ou rico-homem estava à frente de
cada uma dessas terras, cujas áreas
geográficas variavam frequentemente, como verificamos pelos documentos, ao
comparar o elenco dos confirmantes de diversos diplomas dos séculos XII, XIII e
XIV.
Os julgados eram
divisões territoriais estabelecidas para fins de administração da justiça, e
tinham um juiz à sua frente – e aqui
juiz entende-se já no sentido actual. Numa reunião da cúria régia, em 1211, foi
determinada a criação de juízes por todo o reino, ao estipular-se que não
houvesse qualquer terra que não estivesse sob a alçada de um juiz, isto é, que
não estivesse integrada num julgado:
nenhum habitante poderia furtar-se desde então à autoridade do juiz, ou ao seu
juízo, em caso de delito ou de contenda, e muito menos cair, por usurpação, sob
a alçada de autoridades estranhas, como os senhores de algum couto (domínio eclesiástico) ou de
alguma honra (domínio nobre), a que
a localidade onde vivia o súbdito de facto não pertencia. Ao contrário do que
por vezes se tem dito, não se instituíram então os julgados, mas apenas se determinou a sua extensão a todo o reino.
Há, com efeito, referências anteriores a vários julgados e muitas mais aos
juízes que, pelo menos desde cerca de 1135, existiam em quase todos os
municípios.
O município é uma
comunidade local dotada de autonomia na condução dos seus destinos. A palavra município não aparece na antiga
documentação, embora a usemos com frequência para designar aquela realidade que
nos tempos recentes é costume designar com a palavra concelho, e que engloba o território, as gentes e os respectivos
órgãos de governo local. Raramente a palavra concílio, sua equivalente na versão latina, aparece nesse sentido
nos documentos do séc. XII e XIII. Quando se referem ao município, e sobretudo
à comunidade que o integra, os documentos usam, conforme os casos, as palavras
«vila», «cidade», «moradores», «habitantes», ou os plurais «vós» ou, quando é o
concelho a pronunciar-se, «nós».
Nos mais antigos documentos, concelho entendia-se quer em sentido amplo – e designava a
assembleia (do latim, concilium) em
que se reuniam os chefes de família, para tratar dos mais importantes assuntos
de interesse local – ou em sentido restrito (conselho, do latim, consilium),
para designar um pequeno grupo, responsável pela condução dos destinos da
comunidade. Este órgão colectivo, que representava a comunidade e tratava do
seu governo, é essencial para que se possa dizer que em alguma localidade
existia um município.
Com diversas designações se referiam as pessoas que compunham o concelho,
entendido no sentido mais restrito: ou genericamente, sem lhes aplicar qualquer
nome, mas supondo apenas que eram recrutadas entre os homens-bons (por homem-bom entende-se
alguém que não está sujeito a qualquer tipo de dependência, familiar, económica
ou social, isto é, um chefe de família que vive exclusivamente dos seus
rendimentos); ou como alcaldes, no
grupo de municípios que receberam um foral que teve como paradigma o de Numão;
como justiças, no grupo de Tomar; ou
ainda como de alvazis, designação de
origem muçulmana, usada a partir de finais do século XII, nos municípios que
receberam o foral de 1179.
O homem que presidia a
este concelho era normalmente o juiz, mas em algumas localidades
recebia outras denominações, o que por vezes correspondia à acumulação de
várias funções: podia ser o alcaide[1],
e nessa altura competiam-lhe também atribuições militares; podia chamar-se alvazir ou alvazil; e um pouco mais tarde, sob a influência do incipiente
estudo do direito romano em Portugal, podia ter o nome de pretor.
Por volta de 1135, como já se referiu, os municípios começaram a
reivindicar, e conseguiram obter do rei, o reconhecimento do direito de
escolherem eles próprios o juiz que presidia ao concelho. Esta característica
contribuirá para distinguir definitivamente o município do simples julgado.
2. Forais Antigos.
Os documentos através dos quais a
maior parte dos antigos municípios adquiriu existência oficial chamam-se forais[2].
O foral, em muitas
circunstâncias, era o documento que iniciava ou que levava à organização de uma
nova comunidade; noutros casos, reconhecia e confirmava oficialmente uma
comunidade já existente. Nele se definia o território que ficava a pertencer ao
município, concedendo-lhe um determinado grau de autonomia; nele se definiam as
regras gerais a observar na gestão dos interesses comuns e nas relações entre
os seus membros, e destes com os outros indivíduos que viviam fora do termo do
concelho, e, de um modo especial, com o Rei, ou, mais raramente, com um
senhorio, quando dele estavam dependentes. O foral revestia, por regra, a
natureza de documento clarificador e definidor das obrigações e dos direitos
fundamentais ou, como na época se dizia, dos privilégios dos munícipes. Através
do foral, se favorecia o estabelecimento de novos aglomerados habitacionais ou
se criavam estímulos ao desenvolvimento dos já existentes, fixando moradores,
promovendo o arroteamento e a exploração das terras, incrementando as trocas
económicas, criando estruturas de apoio aos viandantes, no cruzamento dos mais
importantes eixos viários, facultando os mais elementares meios de protecção
civil e política aos homens livres de parcos recursos económicos,
contrabalançando os poderes senhoriais discricionários, de modo a cercear o seu
excessivo crescimento e a evitar a subjugação dos mais fracos pelos mais
fortes.
Para além da consecução destes objectivos, mais ou
menos imediatos, a criação dos municípios permitiu que outros objectivos
de fundo se atingissem, como o desenvolvimento económico e social de todo país,
no seu conjunto, e a consolidação e defesa das fronteiras, perante as ameaças
externas. Naturalmente, a criação de uma importante rede de municípios, numa
fase inicial, revelou-se o instrumento mais adequado para organizar e gerir a
população dos espaços rurais e dos centros urbanos, e ainda para arrecadar uma
boa parte dos proventos necessários ao funcionamento do governo central. A sua
distribuição, de norte a sul, por todo o território, com os respectivos centros
urbanos, a sua ligação por uma rede viária sumariamente correspondente às
necessidades da época, acompanhada pela realização de feiras periódicas,
cada vez em maior número, proporcionou a crescente animação da economia, a
produção de excedentes, a multiplicação das trocas e a circulação de pessoas e
bens através do território, ao mesmo tempo que despertava e favorecia o
desenvolvimento dessa consciência da unidade na diversidade, que se tornou a
base do sentimento nacional.
3. Corregedores
e vereadores.
Após a morte de D. Dinis, a dinâmica que até aí presidiu à
história dos concelhos, começou a abrandar. Diminui consideravelmente a criação
de novos municípios através da outorga de forais. Essa diminuição deve-se, por
um lado, ao facto de a rede de municípios já cobrir satisfatoriamente a maior
parte do território. Por outro lado, à falta de estímulo, resultante da pressão
do centralismo régio, traduzido não só numa legislação que se aplicava do mesmo
modo em todo o lado, sem levar em conta a história das várias comunidades e as
suas especificidades, mas também na crescente intromissão dos funcionários
régios, especialmente dos juízes de fora e de corregedores,
nomeados pelo governo central, nos assuntos locais. A missão inicialmente
atribuída a estes era a de tornar mais eficiente a justiça e a administração, corrigindo os erros, suprindo a
ineficácia dos juízes locais, remediando a inépcia dos membros dos órgãos
concelhios e dos funcionários municipais, mas os povos acabarão por ter razões
para se queixarem das suas prepotências e das suas exorbitâncias.
A nomeação pelo corregedor de “vedores”, pouco depois
designados como “vereadores”, que se reuniam, em lugar de acesso vedado ao
público, para decidirem acerca do que lhes parecesse mais adequado ao governo
dos concelhos, como determinava a lei que veio a ser integrada na versão de
1349 do Regimento dos Corregedores[3],
não era compatível com o espírito inicial dos municípios.
A eleição dos vereadores em reunião do concelho alargada a
todos os homens-bons foi definitivamente limitada pela Ordenação dos
Pelouros, promulgada por D. João I, em 12 de Junho de 1391, que passou
a constituir, a nível dos concelhos, o mais antigo sistema eleitoral que se
conhece. Segundo essa Lei, ficava nas mãos de uma elite a condução dos destinos
do município, uma vez que o exercício das funções da governação local se
restringia a um grupo escolhido de cidadãos. Com efeito, determinava esta
Ordenação que em cada concelho se organizassem e mantivessem actualizadas
listas de pessoas idóneas para o exercício dos vários cargos municipais
(juízes, vereadores, procuradores), fazendo-se um rol distinto para cada um
desses cargos. O nome dos assim recenseados era escrito num papel, e este
colocado numa bola de cera (o “pelouro”), por sua vez guardada numa arca – a arca
dos pelouros – de onde se fazia o sorteio dos homens que exerceriam cada
ano[4].
Mas nem tudo era negativo. Na realidade, embora quase se
tenha deixado de outorgar forais, registava-se gradualmente no país uma
evolução que aproximava e depois conduzia à municipalização de muitos
territórios, dependentes do governo central, os julgados, ou de entidades não régias, até aí designados como coutos e honras. Essa evolução é testemunhada pelos processos constantes do
chamado “Chamamento Geral”, posto em marcha por D. Afonso IV, através do qual
somos informados da existência de cerca de duas centenas de coutos, honras e
outras localidades de senhorio privado, cujos moradores elegiam o seu juiz[i][5]. Se isto
sucedia nesses territórios, com maior força de razão havia de acontecer nos julgados, de directa dependência régia.
Dentro do que acabamos de afirmar, muitas terras,
espalhadas por todo o país, transformadas em julgados e equiparadas aos antigos
concelhos, não tiveram um foral anterior ao reinado de D. Manuel, e, de algum
modo, podemos dizer que nem dele necessitaram. Quanto ao funcionamento das suas
estruturas internas, nas relações dos munícipes entre si e com o exterior,
regular-se-iam pelas leis gerais, que gradualmente se foram publicando. No
aspecto fiscal e no pagamento de rendas, tomavam como referência o registo
desses encargos conforme constavam das Inquirições, designadamente das
Inquirições de D. Afonso II, que, a norte, foram apenas até ao rio Lima, e das
Inquirições de D. Afonso III. Quando não há outros documentos, é a estas
Inquirições que se faz referência, ao mencionar o foral antigo, designadamente
nos processos relacionados com a outorga dos forais manuelinos.
4. Forais manuelinos.
Com a passagem do tempo, a elaboração de legislação geral
destinada a ser aplicada por igual em todo o país, e a difusão gradual do
estudo do direito romano, somadas à actuação dos funcionários nomeados pela
Coroa, fizeram com que muitas cláusulas dos forais e de outros documentos
equivalentes, que orientavam a governação local, quando não havia outras leis,
se considerassem ultrapassadas e por vezes até se tornassem obsoletas. A
própria evolução da linguagem, contribuiu para os tornar menos inteligíveis
para quem desejasse recorrer a eles com o objectivo de impor deveres ou de
reivindicar direitos.
Com a publicação das colectâneas de leis designadas como Ordenações,
mantinham-se em vigor apenas as cláusulas fiscais, mas até estas se revelaram
insuficientes. Muitos poderosos se aproveitaram da situação para exercerem arbitrariedades,
cometendo os mais diversos abusos, de que os povos, através dos respectivos
procuradores, se haviam de queixar repetidamente nas Cortes. Nas de
Coimbra-Évora, de 1472-1473, insiste-se publicamente, pela primeira vez, na
necessidade de reformar os antigos diplomas, considerando que eles se achavam
gastos e mesmo rotos ou adulterados, sem autenticação, e eram abusivamente
interpretados.
D. Afonso V, respondendo às reclamações dos concelhos,
tomou as primeiras medidas, ordenando a recolha dos forais e de outras cartas
equiparáveis, para fazer a comparação com os originais existentes na Torre do
Tombo, supervisionada pelo Juiz dos Feitos de El-Rei, e, em consequência, se
proceder à elaboração de novos forais, expurgados de todas as adulterações e
acrescentos espúrios, de modo a esclarecer as dúvidas e a evitar os agravos que
se faziam ao povo[6].
A recolha iniciou-se, de facto, começando pela comarca de Entre-Tejo-e-Guadiana,
mas o processo arrastou-se com lentidão... Entre outras razões, porque, sendo
uma obra ciclópica, estava a cargo de um único funcionário, o referido Juiz dos
Feitos de El-Rei, e não havia o arrojo suficiente para lhe agregar o número de
pessoas necessárias para a levar a bom termo.
Quando D. Manuel I subiu ao trono, em 25 de Outubro
de 1495, a reforma estava longe de se concretizar. Nas Cortes de
Montemor-o-Novo, ainda em 1495, os municípios, através dos procuradores,
insistiam novamente na sua necessidade, considerando que a revisão era uma
medida fundamental, “por ser coisa em que recebiam grandes opressões e
discórdias”[7].
Apostado em resolver definitivamente o problema, D. Manuel
nomeou para esse efeito uma comissão especial, constituída pelos doutores
Rui Boto, Chanceler-mor do Reino, e João Façanha, Desembargador, e por Fernão
de Pina, Cavaleiro da Casa Real, determinando que essa comissão devia ser
permanentemente integrada por três membros, preenchendo-se a vaga logo que
algum deles faltasse[8].
Gradualmente foram-lhe acrescentados outros colaboradores.
A elaboração dos forais novos passava por várias fases.
Num primeiro momento, recolhiam-se os antigos diplomas, devendo os concelhos
remetê-los à Comissão nomeada por D. Manuel. Nas localidades onde se cobravam
portagens e outros direitos reais, que não constavam de algum foral ou
documento, as Câmaras deviam reunir-se, com os oficiais e homens bons, e
registá-los por escrito, remetendo uma cópia para Lisboa[9].
Para completar o trabalho de recolha, esclarecer as
dúvidas entretanto levantadas e colmatar as falhas de informação, Fernão de
Pina deslocou-se pessoalmente a vários lugares do reino, onde procedeu a
inquirições in loco ou promoveu a sua realização por parte dos
responsáveis concelhios. Com base no material assim recolhido, organizava os
processos, que depois eram submetidos ao despacho da Comissão, que aprovava os
textos propostos ou os submetia a modificações e acréscimos e rubricava os
diversos artigos.
Passava-se então à redacção final[10],
a cargo do escrivão da Chancelaria e dos seus ajudantes, que, uma vez
concluído o seu trabalho, o enviavam, pelo porteiro, a casa do Chanceler, que o
fazia selar na sua presença, daí sendo levado à casa do escrivão, que lançava
no documento a nota dos respectivos custos.
Como estipulava a já referida carta régia de 26 de Agosto
de 1504, e consta da parte final de cada um dos forais, deviam estes ser
elaborados em triplicado: um exemplar para a Câmara do respectivo concelho,
outro para a entidade que detinha o senhorio da terra e outro para guardar no
arquivo da Torre do Tombo. Parece que, na prática, em vez de elaborar o
exemplar destinado à Torre do Tombo, a Comissão decidiu proceder ao seu registo
nos Livros dos Forais Novos,
organizados por comarcas ou áreas
geográficas: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Entre
Tejo e Guadiana. Os exemplares que se encontram nos arquivos oficiais, ou nas
mãos dos particulares, são os que eram destinados aos concelhos ou aos
respectivos donatários, sendo verdade que muitos se perderam.
Concluído o diploma, Fernão de Pina procedia ao
registo no respectivo livro da Chancelaria e, em concomitância, após o
texto de cada exemplar, acrescentava a anotação “Registado no Tombo”.
Seguia-se, finalmente, a “consulta pública”: os forais
eram levados a cada uma das terras a que diziam respeito, e, convocadas as
autoridades locais e o povo, procedia-se à última formalidade do processo, a
“publicação”, exigida para que o documento obtivesse força de lei e todos
fossem obrigados a acatá-lo. Após a publicação, fundamentados no vexame que da
cláusula reclamada resultaria para os povos, podiam ser apresentados embargos,
no prazo de quatro meses, para os forais já em vigor nos concelhos, ou de um
mês, quando já estavam pendentes em juízo contencioso[11].
Além dos concelhos a que os forais se destinavam, eram também ouvidos, quando
fosse o caso, os respectivos donatários. Por esse motivo, alguns forais contêm
adendas que explicitam dúvidas relativas ao seu conteúdo ou dão resposta a
reclamações apresentadas pelos concelhos ou pelos donatários.
Iniciado com o de Lisboa, o processo de elaboração dos forais manuelinos continuou com os do Algarve, e os do norte, especialmente os do Minho, contam-se entre os últimos a merecerem a atenção da comissão nomeada por D. Manuel. Note-se, porém, que a data de outorga não traduz a ordem seguida no início do respectivo processo em relação a cada um dos forais. A complexidade desta operação, exigindo, com frequência, inquirições locais e defrontando-se com resistências e contestações por parte das populações e de outros interessados, designadamente por parte das entidades senhoriais, que por vezes tiveram de ser resolvidas através de negociações, levaram a que os vários processos tivessem um calendarização diversa, protelando-se por vezes a data da outorga final, que, em alguns casos nem chegou a acontecer[12].
É de notar que aquilo que acabamos de
designar como outorga, a que corresponde a data assinalada no foral, não
equivale à sua entrada em vigor. Esta dar-se-ia com a publicação na localidade
a que o foral se destinava, feita por um alto funcionário régio, através da
leitura do diploma em voz alta, perante as autoridades municipais e o povo,
convocados para o efeito, sendo desse acto lavrada a correspondente acta, que,
na maior parte das terras, se encontra exarada após o texto do foral.
Entre 1499 e 1520, foram outorgados mais de quinhentos
forais novos, tendo-se registado o maior número de outorgas entre os anos de
1512 e 1516. Segundo a contagem a que procedemos, tendo por base os livros da
Chancelaria, o número total de forais, andaria pelos 522, mas este número pode
variar, porque alguns registos elaborados em sequência, como se fossem um só,
podem ter dado origem a diplomas independentes.
Como advertimos, parece que, em vez de elaborar o exemplar
destinado à Torre do Tombo, de acordo com a orientação inicial, a Comissão
encarregada da elaboração dos forais decidiu proceder ao seu registo nos Livros
dos Forais Novos, em número de cinco, correspondentes a outras tantas comarcas
ou áreas geográficas: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura,
Entre Tejo e Guadiana. Tirando o protocolo inicial, aí é copiado o conteúdo de
cada foral, na totalidade, quando se trata de matérias de âmbito exclusivamente
local, ou fazendo o envio para outro ou outros forais que naquela matéria lhe
serviram de paradigma. Apenas o texto dos forais de Silves (1504), Guarda e
Abrantes (1510), Estremoz, Elvas e Santiago de Cacém (1512) e Guimarães (1517)
foram transcritos na íntegra.
É dos registos, bastante completos[13],
lançado nos Livros dos Forais Novos das
cinco Comarcas em que o país se
repartia, guardados no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, que felizmente dispomos para conhecer a existência
e o conteúdo da maior parte dos forais manuelinos[14].
Baseamo-nos nesses registos para elaborar um quadro de todos os forais
manuelinos. Com base nesse quadro, podemos organizar o mapa global dos forais
outorgados e o respectivo gráfico.
Note-se, porém, que a data de outorga não traduz a ordem seguida no início do respectivo processo em relação a cada um dos forais. A complexidade desta operação, exigindo, com frequência, inquirições locais e defrontando-se com resistências e contestações por parte das populações e de outros interessados, designadamente por parte das entidades senhoriais, que por vezes tiveram de ser resolvidas através de negociações, levaram a que os vários processos tivessem um calendarização diversa. Aquilo que acabamos de designar como outorga, a que corresponde a data assinalada no foral, não equivale à sua entrada em vigor. Esta dar-se-ia com a publicação na localidade a que o foral se destinava, feita por um corregedor ou outro alto funcionário régio, através da leitura do diploma em voz alta, perante as autoridades municipais e o povo, convocados para o efeito, sendo desse acto lavrada a correspondente acta, que se encontra com frequência exarada após o texto do foral, no exemplar destinado às várias localidades.
* * *
De seguida apresenta-se o quadro dos
forais outorgados entre 1500 e 1520:
na primeira coluna indica-se o nome
da localidade destinatária;
na segunda coluna, os Registos da
Torre do Tombo:
AL = Livro
dos Foraes Novos da Comarqua d’ Antre Tejo e Odiana
BE = Livro
dos Foraes Novos da Comarqua da Beira
DM = Livro
dos Foraes Novos da Comarqua d’ Antre Douro e Minho
ES = Livro
dos Foraes Novos da Comarqua da Estremadura
TM= Livro
dos Foraes Novos da Comarqua de Tra-los Montes;
na terceira coluna, mencionam-se os
fólios respectivos;
na quarta coluna, a data de outorga
(ou, melhor dito, de assinatura);
na quinta coluna, as referências a
outros forais, como paradigmas;
na sexta coluna, o sinal » indica a
inclusão num grupo de forais.
na sétima coluna, o concelho a que a
localidade actualmente pertence.
Como anomalias principais, além da já citada omissão do foral de Beja, notem-se a existência de algumas repetições, e a colocação de alguns forais num livro errado, como sucede, p.e., com o de Vila Nova de Cerveira, e o de Prado (junto a Braga), que aparecem no livro de Trás-os-Montes.
Como anomalias principais, além da já citada omissão do foral de Beja, notem-se a existência de algumas repetições, e a colocação de alguns forais num livro errado, como sucede, p.e., com o de Vila Nova de Cerveira, e o de Prado (junto a Braga), que aparecem no livro de Trás-os-Montes.
[1] A designação alcaide remonta ao período em que a
jurisdição estava concentrada nas mãos da autoridade militar, nos tempos
difíceis da reconquista, durante a qual esses municípios constituíam a linha de
fronteira com os territórios sob o domínio muçulmano.
[2] Não era esta a designação inicial de tais documentos.
Referiam-se uma vez simplesmente como «carta», tal como a generalidade dos
documentos escritos, ou como «scriptum», algumas vezes como «decretum», mas a
partir de meados do séc. XII divulga-se e generaliza-se a designação de «carta
de foro». Foro é, no entanto, uma designação muito genérica, aplicada a
realidades diferentes. Designa muitas vezes as rendas a pagar das propriedades
rústicas e urbanas, e, com frequência, mais especificamente, a importância fixa
ou «cânone» a pagar anualmente pelo domínio útil das terras, nos contratos de
enfiteuse ou emprazamento, chamados também contratos de aforamento. Outras
vezes, «foro» designa o estatuto social, jurídico ou fiscal de uma determinada
classe ou grupo social, ou de uma determinada área ou sector: foro
eclesiástico, foro de cavaleiro, foro jurídico, foro de portagens. Muitas
vezes aplica-se aos documentos de que nos estamos a ocupar, isto é, àqueles
cujo assunto são as instituições municipais, mas designa tanto o documento em
si como o conjunto ou uma parte das prescrições nele contidas, como a tabela
das «portagens» ou o censo anual a pagar para o cofre régio. As «cartas de
foro» podem classificar-se em três categorias: as de alcance puramente agrário,
individuais ou colectivas, que estabelecem as condições de exploração da terra
e os ónus a que a mesma está sujeita; as que estabelecem o estatuto
jurídico-administrativo das comunidades, contendo as bases da sua organização
interna, e regulando as suas relações com o poder central ou com aqueles que
dele partilhavam em alguns momentos; finalmente, as que estabelecem mais
pormenorizadamente as regras de funcionamento interno da comunidade, e, que na
sua origem, resultam de uma compilação gradual de «costumes» ou, em latim,
«consuetudines», ou do registo das interpretações ou sentenças dos juízes, a
partir daí utilizadas como norma ou referência paradigmática. Apenas os
documentos incluídos na segunda e terceira categoria interessam, de um modo
geral, para o estudo das origens dos municípios e se podem incluir no grupo dos
documentos, para que desde a terceira década do séc. XIV se generaliza gradualmente
a designação de foral, que hoje usamos e já era quase exclusiva nos últimos
decénios do séc. XV. Aqueles que incluímos na segunda categoria são os forais
breves, designadas na Espanha como cartas pueblas ou cartas de poblacion,
e é a eles que vulgarmente se alude quando se fala simplesmente em forais. Os
da terceira categoria são vulgarmente designados entre nós como forais extensos
e, em regra, aparecem em localidades onde já existem forais breves.
[3] T.T., Forais Antigos, m. 10, n.º 7, fl. 31-36 v.º, com
data de 1332, e 37-41 v.º, com data de 1378. Transcritos em Marcelo Caetano, A
Administração Municipal de Lisboa durante a Primeira Dinastia (1179-1383),
3.ª edição, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 131-137 e 138-154. Há outras
cópias em Forais Antigos, m. 3, n.º 2 (Foral de Borba), e ainda
no Perg.º n.º 31 da Câmara Municipal de Alvito, transcrito por João
Pedro Ribeiro, Dissertações Cronológicas e Críticas, Tomo III, 2.ª
parte, Lisboa, 1813, p. 93-112, versão do final do reinado de D. Pedro I ou
do início do reinado de D. Fernando. Como é de prever, são múltiplas as
diferenças que se notam entre as diversas versões. A sigla T.T. , nesta nota e
nas seguintes, designa o Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
[4] O regime introduzido pela Ordenação dos Pelouros foi
parcialmente alterado pelo Regimento dos Corregedores, em 1418, e fixado pelas Ordenações
Afonsinas, em 1446-1447 (Livro I, título 23, n.os 43-47).
Manteve-se em vigor pelos tempos fora, vindo a ser profundamente alterado pelos
Regimentos de 1601 e 1640, que introduziu um novo sistema eleitoral, designado
como sistema de eleição por pautas de apuramento. Segundo as Ordenações
Afonsinas, o corregedor devia chamar à Câmara os juízes, vereadores,
procurador e homens bons, para escolherem seis pessoas, que, duas a duas,
separadamente, indicariam as pessoas idóneas para o exercício dos vários
cargos, em rol distinto para cada um deles. Ao corregedor régio, ou ao juiz
mais velho na falta de magistrado régio letrado na terra, competia, contar os
votos, seleccionando os mais votados, apurando a lista ou "pauta" dos
eleitos; cada um dos nomes dessa pauta era encerrado num pelouro,
guardado no saco ou arca, a aguardar o oportuno sorteio, em que as bolas de
cera com o nome eram retiradas por um menino com o máximo de 7 anos de idade.
[5] T.T., Chancelaria de D. Afonso IV, liv. IV, fl. 2-107. O
“Chamamento geral” foi concluído no reinado seguinte: T.T., Ch. D. Pedro I,
liv. I, passim (fl. 27 e ss. até 103 v.º).
[7] Marcelo Caetano, Regimento dos oficiaes das cidades, villas
e lugares destes Regnos, ed. fac-símile do texto impresso por Valentim
Fernandes em Lisboa, 1955, p. 17-18 (prefácio).
[8] T.T., Extravagantes da Suplicação, liv. 2.º, fl. 69. Cf.
João Pedro Ribeiro, l. c., p. 8-14; Teófilo Braga., l. c., p.
116.
[10] O formulário completo usado nestes diplomas, incluindo a
abertura, encontra-se nos forais de Silves, Estremoz, Santiago de Cacém e
Elvas (L. F.N. de Entre Tejo e Guadiana, fl. 8 v.º-23, 25 v.º-30 v.º, 36
v.º-40, 55 v.º-61), Guarda (L. F. N. da Beira, fl. 1-5 v.º),
Guimarães (L. F. N. de Entre Douro e Minho, fl. 7 v.º-12), fl. e
Abrantes (L. F. N. da Estremadura, fl. 52-56 v.º).
[12] Citem-se, para amostra, os casos da Terra de S. Martinho, Facha, Geraz, Coura e Valdevez, que dependiam do Visconde de Vila Nova de Cerveira, referidos pela documentação da Torre do Tombo (p.e., Corpo Cronológico, Parte II, mç. 55, n.º 73: Carta do Visconde a agradecer a Fernão de Pina o cuidado posto nos forais de suas terras, pedindo-lhe que incluísse neles as pescarias de Valdevez, Beiral de Lima, Santo Estêvão, gado de vento, etc., 1515-02-19/1515-02-19). Quanto a Braga, sabemos que el-rei, em 11 de Outubro de 1516, solicitou ao Arcebispo a nomeação de um perito para com o corregedor da comarca elaborar o foral da dita cidade (T.T., Corpo Cronológico, Parte I, m.º 20, n.º 110). Será também esta a explicação para situações como a do Foral Novo de Guimarães, que, embora datado de 20 de Novembro de 1517, serviu de paradigma para certos capítulos de outros forais cuja data de outorga é anterior!
[13] Nota-se, pelo menos, a omissão do Foral de Beja, que, no
entanto, é bem conhecido, e é possível que mais algum tenha escapado.
[14] T.T.,
Livro dos Forais Novos da Comarca d'Antre Douro e Minho, fl. 94-97v.º.
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